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A privatização da água. Alguns modelos europeus

Segundo notícia da Lusa, "a Comissão Europeia esclareceu hoje que não patrocina qualquer política de privatização do sector das águas nos Estados-membros, reconhecendo que estas são "um bem público vital" e que a sua gestão é da competência das capitais nacionais."
Se assim for, a última palavra cabe ao governo português.
Em relação à privatização da água, o problema coloca-se mais no envolvimento do sector privado na gestão dos serviços de abastecimento de água, do que na propriedade, por parte do sector privado, de títulos de utilização dos recursos hídricos – que permitem a sua venda – ou envolvimento deste no financiamento de infra-estruturas e serviços. Tem sido a privatização dos serviços de abastecimento de água – com um rol de casos, espalhados pelo mundo, que poucos benefícios trazem para o consumidor final – que mais controvérsia tem gerado. Até 1980 - com excepção da França e de alguns fornecedores privados em Espanha e Grã-Bretanha - o sector da água era detido e gerido por entidades públicas. Aliás, ainda hoje, cerca de 70% do europeus bebem água distribuída por operadores públicos ou, maioritariamente, públicos. Ora, com um mercado potencial tão vasto, é compreensível o apetite dos privados. 
Ainda na década de 80, Margaret Thatcher, na Grã-Bretanha, decidiu vender as infra-estruturas da água ao sector privado. Antes da venda (feita de forma extremamente favorável) ao sector privado das 10 entidades regionais gestoras da água, o governo extinguiu todas as suas dívidas, num total de mais de cinco mil milhões de libras, apoiando-as, ainda, com um incentivo de 1.6 mil milhões de libras. Na altura, Thatcher, afirmava que a atribuição do sector a privados tinha por objectivo beneficiar os consumidores, contudo, no início de 1994, dois milhões de famílias britânicas não podiam pagar as suas contas de água – o seu preço ficou demasiado elevado e, simultaneamente, os lucros da empresa privada, gestora da água, cresceram 147%.
Na tentativa de trazer ordem a um mercado aberto, sem quaisquer regras, foi necessário criar uma autoridade de supervisão (Office of Water Services - OFWAT), principal responsável pela regulamentação das tarifas para acesso aos recursos hídricos.
Em França, 80% do mercado de água é detido por um "oligopólio" de apenas três empresas (Veolia Water, Suez Lyonnaise des Eaux e Saur), que fornece água a metade das cidades francesas - ou seja, a 70% dos habitantes do país. Os 20% restantes ainda estão em mãos públicas, envolvendo vários municípios de grande porte (incluindo Amiens, Limoges, Nancy, Nantes, Reims, Estrasburgo, Tours) e "Agências da Água," as autoridades regionais espalhadas pelo território. A Veolia Water serve mais de 23 milhões de pessoas em França, cobrindo 40% do mercado privado da água. Em conjunto com a Suez Lyonnaise des Eaux, fornecem água a 240 milhões de pessoas em todo o mundo. Passemos, no entanto, a outros números. Uma pesquisa de 1999, mostrou que a água distribuída por operadores privados, nos termos do contrato de concessão, custam em média mais 13%, aos franceses, do que a água gerida pelos serviços municipais.
O primeiro caso de re-municipalização, em França, ocorreu em Grenoble. Depois de mais de 12 anos de gestão privada, com crimes de peculato, financiamento ilegal e fortes aumentos dos preços, em 2001, uma campanha realizada por um movimento civil local, levou a uma mudança na câmara e na "re-municipalização" da empresa de forma legal. Os preços da água fornecida estabilizaram, apesar de um aumento significativo nos investimentos que, até ali, não tinham sido realizados. Em Janeiro de 2010, e depois de uma promessa eleitoral do actual presidente da Mairie, os serviços de abastecimento de água da capital francesa estão entregues a um único operador público: "Águas de Paris". Ainda é cedo para perceber se a mudança, trouxe, ou não, vantagens para os consumidores. Há, no entanto, outras cidades francesas que seguiram Paris, nomeadamente, Rouen e Montbéliard. A onda de re-municipalização parece querer alastrar-se a outras cidades gaulesas. 
Na maior parte da Alemanha, a gestão da água potável é confiada a um número limitado de empresas municipais - as Stadtwerke.
Em Munique, por exemplo, a água potável é distribuída pela Stadtwerke München (SWM), empresa municipal responsável não só pela água, mas também pelo gás natural, eletricidade, piscinas e transportes públicos.
Por contraponto, em Berlim, o serviço de água foi inteiramente confiado à Veolia Water, o custo de um metro cúbico de água é superior a quatro euros e está entre os mais altos da Alemanha.
Ainda na Europa, poder-se-á dar outros exemplo. Na Suiça, por exemplo, a gestão da água está consagrada na lei fundamental do país. A constituição diz, expressamente, que a gestão da água é da única responsabilidade de empresas públicas, declarando que os recursos hídricos são um "monopólio do Estado". 
Na Bélgica, foi aprovada uma lei segundo a qual a gestão é entregue a empresas, cujas acções, sejam detidas pelos municípios. Em  Bruxelas, por exemplo, o serviço de águas é gerido pela Vivaqua, uma empresa pública.
Na Holanda, em 2005, entrou uma lei em vigor, ao abrigo da qual, apenas as empresas  com capital públicos estão autorizados a prestar serviços relacionados com o fornecimento de água potável. Consequentemente, a privatização da água não é possível e todas as empresas de água  no país são controladas pelas administrações regionais e locais. No entanto, as grandes empresas públicas holandesas, como a Vitens e Evides adoptaram em grande parte, a estrutura e o funcionamento das empresas privadas, apostando na gestão delegada e no outsourcing.

Continua.

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