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Privatização da água - 2ª Parte



Drinking water´Falemos, nesta segunda parte, do envolvimento do sector privado no financiamento de infra-estruturas de captação e distribuição e no influência que acabam por ter na adopção de modelos de concessão da água a privados. 
Nas últimas décadas, os canais tradicionais de financiamento público não têm sido suficientes para garantir o capital necessário à execução de infra-estruturas de grande envergadura. Simultaneamente, muitas das decisões tomadas são políticas - não suportadas por critérios de racionalidade económica. Desta forma, tanto os operadores públicos, como os privados, recorrem cada vez mais aos mercados financeiros.

Os países em desenvolvimento - pela sua necessidade de criar infra-estruturas básicas - são aqueles que mais recorrem ao capital privado. Daí, o papel fulcral desempenhado pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional, quando estes países tentam aceder a financiamento - segundo o "Relatório Camdessus" (Conselho Mundial da Água, Água Financiamento para Todos, 2003), estes organismos internacionais têm sido, os promotores da liberalização e privatização dos serviços de água, apoiando a conclusão de acordos de parceria entre entidades públicas e privadas (as bem conhecidas PPP - Parcerias Público-Privadas).

A privatização da água, em todas as formas atrás mencionadas, acarreta benefícios e riscos, constatáveis pelos vários incidentes ocorridos ao longo do tempo, tendo por protagonistas algumas das empresas a operar neste mercado.
A concessão por parte de alguns municípios de contratos de gestão da água a empresas privadas, parte do princípio que o sector privado é mais eficiente que o sector público na gestão de distribuição de água. Além disso, a atribuição destes contratos a privados pretende repartir o custo da manutenção da rede de fornecimento de água, entre ambos - público e privado. Em teoria, a melhor gestão, garantida por empresas privadas,  racionalizará os custos e, consequentemente, resultará numa redução das taxas impostas aos utilizadores. Teoricamente, reitero.


Há, todavia, um outro lado da moeda: os modelos privados prejudicam, muitas vezes, a comunidade.
A cronologia, da entrega a privados da distribuição da água, tem vários episódios que mostram que a privatização dos recursos hídricos, em vez da redução prevista, levou a aumentos substanciais nos custos - no caso francês (estudo de 1999) a água distribuída por privados era, ao tempo desse estudo, 13% mais cara do que a distribuída pelos vários serviços municipalizados; no caso da Bolívia, a privatização da gestão da rede levou a aumentos de, cerca, de 600% no preço da água, tendo como resultado um aumento - nos bairros mais pobres - da fatura mensal (de 3,8 euros para 13 euros - cerca de 20% do salário médio boliviano); no caso da Argentina, a privatização do abastecimento de água e esgotos não contemplou as famílias de baixos rendimentos, tendo como resultado final a subsidiação, por parte  do governo argentino, - e apesar da privatização - dos custos das ligações à rede, destas famílias, com fundos públicos.

Um outro risco associado à privatização da água tem a ver com  a tentativa de racionalização dos custos que, nalguns casos, é conseguida recorrendo à saída de funcionários (mesmo que qualificados), levando a disfunções na gestão da rede e a um claro prejuízo para a comunidade.

Muitas vezes, a privatização da água é resultado da pressão das instituições financeiras (Banco Mundial ou o FMI), que pretendem que a gestão da água seja feita pelo sector privado, apresentando como argumento, que este é capaz de apresentar crescimento, eficiência e um maior valor acrescentado para a sociedade, comparativamente ao sector público. No entanto, sabendo que as empresas privadas são orientadas por  escolhas racionais, cujos critérios para avaliação estão directamente ligados aos resultado das suas acções, deverá existir uma profunda reflexão sobre a validade deste modelo para a gestão dos recursos hídricos, especialmente quando falta um controlo incisivo e eficaz do Estado.

No que concerne ao sector público, há um rol de exemplos que demonstram que a gestão é ineficiente e não respeita os mais elementares princípios de racionalidade económica. Todavia,  este paradigma pode ser alterado - relembro, para isso, o caso holandês, onde a Vitens e Evides adoptaram modelos de gestão privada, procurando maximizar os seus lucros.

Ainda a este respeito - gestão pública versus gestão privada - forneço o link de um trabalho efectuado na Universidade de Granada que pode - e deve - suscitar a reflexão de todos aqueles que se interessam pelo tema. O trabalho pode ser consultado neste link: La gestión del servicio de abastecimiento de agua en las ciudades ¿empresa pública o privada? nele, os autores, através da DEA (Data Envelopment Analysis ou Análise Envolvente de Dados), uma técnica baseada em modelos de programação linear, aferem a eficiência relativa da gestão privada versus a gestão pública.

Em conclusão, se a água é um bem comum, só um sistema eficiente de controle pode oferecer garantia adequada para enfrentar os riscos decorrentes de uma gestão ineficaz dos recursos hídricos, seja ela pública ou privada. Em Portugal, os exemplos da entrega da concessão a privados também não prima pelos melhores resultados (o caso da Câmara de Barcelos ou do Marco de Canavezes são paradigmáticos), por isso deixo a questão: mudar para quê? E se, em vez de experimentalismos com um recurso vital, tornássemos a sua gestão, entregue ao sector público, mais eficiente?






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